sábado, 10 de dezembro de 2005


Tremendo, sublime, épico, fabuloso, fantástico...
Não há palavras para descrever o que o Glorioso alcançou na passada quarta-feira, madrugada alta de Quinta-feira onde me encontro.
Ao contrário do que é habitual em jogos de natureza decisiva, não fui pedir à Deusa.
Até porque, da última vez que tinha ido, o Glorioso fez uma boa exibição que não se revelou suficiente para alcançar um resultado positivo: Setembro deste ano, no Teatro dos Sonhos.
Mas, ainda assim, cumpri alguns rituais importantes antes do jogo desta envergadura: vesti a camisola dos anos sessenta, convidei todos os que encontrei para a irem ver o jogo a minha casa, comprei uma quantidade tremenda de Coronas no sítio do costume, com o empregado do costume, e abasteci-me q.b. de maços de Marlboro (terrível vício) antes da contenda.
Antes do jogo começar, acendi as velas do Buda que tenho na sala, esse guardião da fé benfiquista que, até ver, nunca me deixou mal.
Sabia que a treze mil quilómetros de distância, a minha outra camisola dos anos sessenta, com um escudo de campeão de fazer inveja, representar-me-ia em condições no Inferno da Catedral da Luz.
O nervoso apoderou-se de todos os que, mais ou menos benfiquistas, se encontravam na sala do 13. andar de um prédio algures na Ásia fria por esta altura do ano.
6 minutos de jogo: o primeiro balde de água fria e, ao tempo, o fim da esperança encarnada. Pareceu-me, pela forma passiva como os defesas do Glorioso não foram à bola, fora-de-jogo do Gary Neville. Na repetição viu-se bem que não estava, pelo que, apesar de esquisito, o golo tinha sido legal.
O que podia ser uma noite de sonho, tornou-se, naquele momento, num pesadelo.
Mais uma noite perdida, mais uma glória adiada, mais uma desilusão.
Era este o meu pensamento, partilhado com toda a certeza por milhões de benfiquistas de Sidney a Vancouver.
Minuto 16: bola para a melhor contratação do Glorioso dos últimos, seguramente, dez anos, pelo menos para aquela posição, o qual, incrivelmente, "saca" um centro milimétrico para o "Soneca", de seu nome: Geovanni Deiberson Mauricio.
Este, qual águia, faz um vôo de uns bons dois metros e coloca a redondinha na rede de um guarda-redes com nome de detergente para a máquina de lavar loiça e com cara de boneco animado do Cartoon Network.
Naquele momento, um grito tremendo ecoa, às 4 da manhã, no pacato bairro residencial onde tenho a sorte de viver.
O sonho era outra vez possível.
Mais ainda com a atitude dos onze rapazes a quem o Rei tinha pedido que fizessem história! Absolutamente fantástico.
Nesta altura a minha camisola alternativa dos anos sessenta terá ouvido umas duzentas vezes: "Eu sempre disse que o Geovanni Deiberson Mauricio era um grande jogador" ou "Eu sempre disse que íamos dar a volta ao resultado" ou "Espero que o Tintin (Koeman) não se ponha a defender o resultado". E não é que não se pôs mesmo!
33 minutos de jogo: já a polícia tinha ido lá a casa pedir para baixar o som, da televisão e das gargantas, facto que muito me agradou, na medida em que tudo se estava a compor em termos de rituais: também em Maio contra o Sporting, a polícia tinha visitado aquele apartamento que, como na passada madrugada de Quinta-feira, se tinha tornado num pequeno Estádio da Luz.
Começo a acreditar que é possível. Eu e os milhões que, colados ao transistor ou à televisão, cumpriam naquela noite mais um dia de fé!
Para que a noite fosse completa, coloco uma laranja aos pés do Buda, acompanhada de notas verdadeiras.
34 minutos: Gilberto Galdino dos Santos passa para Nélson... este corre para a linha e faz um cruzamento que embate na cabeça de um bife e, à entrada da área, o mesmo Galdino, Beto para os amigos, enche o pé e chuta de primeira (a fazer pontaria às pernas do Scholes) para aquilo que já ameaçavamos desde o minuto 16... o 2-1!
A partir daqui a polícia podia voltar a qualquer momento tal o barulho ensurdecedor que brotava das gargantas dos indefectíveis benfiquistas que estavam naquela sala.
Barulho esse que se tornou ainda mais despertador quando um tal de Vassaras não viu o que milhões de benfiquistas e não só, viram por esse Mundo fora: a falta descarada de Silvestre sobre o Deiberson, naquela madrugada a jogar a ponta de lança.
Intervalo.
Ligo para o Estádio da Luz para saber como tinha a minha "jersey" vivido as emoções da primeira parte do encontro.
Reinava ainda a apreensão disfarçada de sonho que estava a 45 minutos de se tornar realidade. Liguei também para casa para averiguar se o meu pai, grande responsável pela minha doença, e que dias antes tinha dito que tudo o que fosse menos de três contra nós, não era mau, ainda mantinha a mesma atitude de benfiquista calejado. Estava mais confiante.
Começa a segunda parte. Adivinhava-se o sufoco. Mas incrivelmente as duas torres da Luz, bem ajudadas pelo Alcides, o Armando Teixeira ("Petit") e o Leonardo ("Leo") aguentam o resultado.
Em relação a este último e ao Galdino, passámos a segunda parte toda a perguntar como se chamariam e, como é bom de ver, já descobri no website do Glorioso.
Foram minutos de muito sofrimento.
O relógio nestas ocasiões parece que não anda. Nem mesmo quando o João Pereira (que deixou o seu cabeleireiro da Amadora "Kustura" e terá ido pentear-se ao do Quartel dos Comandos na Amadora) e Geovanni quase fazem o 3-1!
Últimos minutos de grande sofrimento, que também se sente quando um menino, que deveria respeitar a memória de seu pai, Dinis Aveiro, indefectível benfiquista, mostra o dedo ao lado do indicador para o inferno de almas que se tinha tornado a Catedral da Luz.
Joaquim Sampaio é empurrado por Rio Ferdinand. O comentador da ESPN diz que os jogadores estão a fazer teatro... estes bifes são ainda mais facciosos que os comentadores da Antena 1 que fazem os jogos do Benfica no norte e que se tornam na minha grande companhia nas madrugadas dos fins-de-semana, muitas vezes em véspera de dia de trabalho.
Entra Ricardo Rocha para o lugar de Leonardo.
Faltam mesmo poucos minutos.
Ainda antes de faltarem tão poucos, ligo para a minha camisola que, em plena Catedral, denota um ar apreensivo.
Terminou. Quase em simultâneo grita-se, tal como no Estádio, "Ninguém pára o Benfica", "Glorioso SLB". Abraçam-se os convivas.
Conseguimos aquilo que ninguém esperava.
Tento ligar para o Estádio mas as linhas em Portugal estão completamente entupidas.
Só conseguirei horas mais tarde quando as Coronas já se tiverem apoderado definitivamente de mim.
Lembro-me do meu tio benfiquista, falecido há ano e meio e que, infelizmente, já não teve oportunidade de ver o Benfica campeão, nem de poder saborear uma vitória ao nível daquelas que fazem a minha memória completamente benfiquista:
- Eliminatória contra a Roma antes da final da Taça Uefa de 1983;
- Eliminatória contra o Steaua de Bucareste antes da final de 1988;
- Eliminatória contra o Marselha antes da Final de 1990;
- Passagem à fase de Grupos da primeira edição da Liga dos Campeões contra o Arsenal;
- Final da Taça de Portugal contra o Boavista;
- Eliminatória contra o Bayer Leverkussen;
- Final da Taça de Portugal contra o Porto;
- Jogo contra o Sporting o ano passado;
- Jogo contra o Porto este ano.
Por estas e por outras é que Ser Benfiquista é ter na alma a chama imensa e por estas e por outras é que a madrugada de dia 8 de Dezembro foi para mim e para muitos benfiquistas: Tremenda, sublime, épica, fabulosa, fantástica...

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